Tuesday, December 13, 2005

Os cacos da vida

Vou lamber delicadamente minhas lembranças, vou banhá-las todas com o sal amargo das lagrimas, vou prepará-las para o voo do esquecimento. Vou acalentar os sabores e sonhos perdidos como se nunca tivessem partido. Vou rir como se nunca houvesse existido. Vou carregar presságios pela vida afora (que nunca se hão de cumprir) como se fossem a certeza da sina - são o virtual.
Vou acreditar no que sonho e vou desejar, ardentemente, o impossível, como se alcançável todo o tempo.
Vou andar com a cadencia certa e acreditar, piamente, que é minha a marcha, criação do passo - vou acreditar no livre-arbítrio.
Mas vou porque preciso, porque me falta tacto para o engano; vou porque senão afundo neste poço sem fundo. Vou tanta coisa... que nem sei o quê.
Do que faço pouco me sei. Só sei que nada faço. Faço o que não quero e não faço o que quero.
Palmilho este velho chão de feridas; retiro as crostas destas feridas invisíveis sem gemidos, e sorrio. O que me resta, afinal? O que ainda me sobra ainda? Nada, nada me resta neste caos,
Mas não consigo nunca desligar-me de tudo; há relíquias que mantenho firmes dentro de mim, referências necessárias - coisas boas, boas pessoas. Os pânicos vou dispensá-los, Ah, bem preciso!... Os receios, as auras de falsa protecção, as dores sem respaldo, os horrores, as lembranças amortecidas, os desejos enrijecidos...
Ah, quero os beijos dela agora!... Ah, quero as suas caricias agora!... Ah quero sentir o calor do seu corpo agora!... Ah... quero os passos hesitantes, a marcha sombria de um pânico cego.
Ah, tudo o que quero enterrar pelo caminho! O tanto que desejo dispensar antes que me pareça ainda mais tarde - tão tarde!...
È tarde... voltei a perder.

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