Wednesday, November 30, 2005

Apenas querer
Eu quis um dia saber cantar, ouvir sons cristalinos da voz delirante, nos espaços pendurados dos raios de estrelas, nos fragmentos de nuvens, nos olhares das mentes que se elevam para além do ser.
Eu quis um dia viver os sonhos começados...
Eu quis um dia saber falar, ouvir-me na voz e na vida, em opinião respeitada, admirada, profunda, meditada.
Eu quis um dia que a voz falasse calada, que se ouvisse sem ter som.
Eu quis falar com o saber, onde o saber fosse olhar ou tão somente sentir.
Eu quis saber falar ao espelho, olhar nele o eu que sou, sabendo que nunca seria, ou mesmo que nunca me veria tal como apenas sou.
Eu quis apenas saber falar de mim. Olhar-me reflectido como se esse eu mostrado não fosse o eu transportado em suporte físico comum, de corpo matado de senso ou isento de ausências presentes.
Eu quis um dia ouvir e fazer-me ouvir no silêncio das palavras.
Eu quis um dia saber ler através dos teus olhos, conhecer o teu sentir, mergulhar na tua alma e aí permanecer.
Eu quis um dia saber andar, caminhar com passos leves, pisando bolas de algodão semeadas por carreiros e veredas dum horizonte fugidio.
Eu quis um dia não andar apressado, sem ter metas previstas nem linhas de partida marcadas.
Eu quis saber andar pelas estradas, desviando o corpo das máquinas que não controlo, enroladas em saberes que não domino, doidas de loucura crescente, ocultas e perdidas no meio de reflexos matinais em madrugadas que só vi ao entardecer.
Eu quis um dia saber sentir, saber do teu sofrimento e das tuas alegrias, que se calhar não vi por não querer.
Eu quis um dia ver o que não sou e que me parece que nunca o serei.
Eu quis sentir o que sentem, aqueles que não possuindo apenas pedem para ter, aqueles que não vendo apenas querem olhar, e aqueles que não rindo apenas querem sorrir.
Eu quis sentir o outro em mim, aconselhar-me em luzes fugazes de frestas enrugadas de rostos doridos de sofrimento de dor e de sofrimentos sentidos como penso que não sinto.
Eu quis um dia saber olhar, levantar os olhos do chão, ver ao longe e ver ao perto.
Eu quis abrir meus olhos ao espaço e por entre postigos inquietos de portas sempre fechadas em casas que não se abrem, saber dizer o que vi saber contar o que senti... sentindo o que contei. E sobretudo olhar ao longe que ao perto já se vê, quando o perto é muito perto, é mais fácil de olhar mas mais difícil de ver.
Eu quis um dia saber amar, saber sobretudo falar aquilo que gostava de ouvir sem ser preciso pedir ou sem ninguém me dizer: Que bom seria se dissesses ou que bom seria se quisesses, apenas querendo dizer.
Eu quis um dia saber se amar é conhecimento adquirido ou saber só aprendido, ou sentimento cultivado em terra lavrada de pranto por tantos medos sentidos e tantos amares perdidos por vergonha de dizer, ou por ausência de querer.
Eu quis um dia sonhar, saber olhar, saber ver, saber falar, saber cantar, saber andar e sentir
Eu quis um dia saber amar também.
Eu quis que o meu sonho fosse o canto, a minha voz o caminho e o meu amor sentimento, em canção que fosse sonhada, em fado que fosse amado e em caminho que fosse sentido.
Eu quis amar como se olha, ou sentir como se canta, e andar como se fala.
Eu quis ter voz, ter saber e olhar à minha volta, vendo a voz e vendo o fado, querendo que o fado querido, fosse o olhar que me faltou e a voz que nunca tive, no saber sentir...
Falhado, no saber andar... Perdido, no saber amar... Escondido no saber ser destruído... Por apenas querer Ser... Por apenas te querer amar
Eu quis ver o entardecer antes do amanhecer
Eu quis ver o amanhecer antes do entardecer
Eu quis ver... Eu quis sentir... eu quis apenas viver

Daqui, deste lugar, não te posso ver, Daqui, deste lugar, não te posso tocar, Daqui, deste lugar, não te posso beijar, Daqui, deste lugar, não posso olhar dentro dos teus olhos Daqui, deste lugar, não posso adivinhar o que eles estão a tentar me dizer...
Mas, daqui deste lugar, posso sentir, posso sonhar,
Posso lembrar-me do calor e do carinho que trocamos.

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