Saturday, November 19, 2005

Para ti pai amigo
Estamos perto do Natal. Hoje faz um ano que tu partiste. Faz hoje um ano e alguns dias que te levei até á tua ultima morada nesta terra. Agora sei que vais vigiando as coisas aí de cima para que tudo se mantenha como tu gostas. É nesta altura do ano que estás ainda mais próximo de mim, e fazes-me lembrar que devo continuar a manter a tradição do Natal viva. Neste dia todos estávamos contigo, vivendo os espirito do dia e principalmente da família que sempre te deste ao luxo de ter contigo. Conseguias sempre reunir esta tropa toda e ficavas feliz. Eu vou cumprindo como posso, mas tu fazes falta junto de nós, mais que não seja para fazer o controlo das operações. Sempre gostastes dessa função. Mesmo quando não te mostravas nós sabíamos que nos estavas a controlar e que não deixavas nada ao acaso.
Para que tudo se mantenha como gostas, sabes que o bacalhau já está de molho, o cabrito vem a caminho, as couves chegarão no momento próprio. Este ano decidi fazer bacalhau assado na brasa em substituição do bacalhau cozido. Sabes aqueles panelões grandes acabavam por transformar as batatas quase em puré. Vai dar mais trabalho do que costume, mas o que é isso para quem está folgatito. Não sei se o pessoal vai gostar, mas vai ser diferente. Lá terei que fazer um esforço para mostrar os meus dotes de cozinheiro. A Bety vai estando comigo e espero que saia tudo bem.
Como sempre, mantendo a tradição, mandas-me para as compras com uma lista interminável de prendas. Os teus netos fizeram chegar as cartinhas para o Pai Natal. Sabes como é, cada um fez uma lista igual aquelas que levamos para os supermercados. Vamos ver o que consigo fazer com o orçamento que tenho. Falta tão pouco tempo e eu ainda não comprei nada. Também é verdade que somos poucos. Trinta e dois ao todo, mais um ou outro amigo que nunca deixamos sem prenda neste dia. Vai ser um tal viajar, fazer umas birras, (sabes que faço sempre) dentro dos hipers e centros comerciais. Tens que organizar as coisas para eu passar a pasta a outro. Já lá vão vinte e seis anos a fazer esta mesma tarefa. Tens que me poupar um bocado porque começo a ficar velhote para isto. Começa a ser difícil achar graça ás barbie’s, aos nenucos, aos jogos do pokemon... todas essas coisas que a canalha quer.
A tua Maria tem-se aguentado bem, e continua a fazer aquilo que tu fazias. Mantém as arcas cheias de coisas e diz que não sabe o que vai fazer para alimentar as tropas. Agora já não sei se eras tu que tinhas a mania de ter tudo em casa ou se era ela que te ia fazendo dar as voltas pelos supermercados. Vícios antigos, não é pai. Coisas que eu se calhar também faço e nem noto.
Acabei as compras, falta qualquer coisa, mas amanhã também é dia. Tu sabes que sempre nesta altura a minha vida fica um martírio, porque tenho que organizar o jantar com o pessoal na empresa, o lanche para os filhos dos funcionários, eles também gostam de uma prendinhas que eu tenho que comprar de acordo com a idade deles, tenho também organizar as coisas para a ceia de natal e para o almoço, lanche e jantar no dia de natal. É assim todos os anos e este não vai ser diferente.
As tuas meninas começam a chegar amanhã, e este ano vamos estar todos á mesa com apenas uma excepção. O Carlos e os filhos não estarão á mesa. Mas eles vêm depois do jantar para a distribuição das prendas. Sabes que não quero falar disto. Não te vou dizer nada a este respeito porque me faz mal a mim e a ti.
Se estás atento já viste que estou de rastos, depois destas horas todas na grelha a assar o bacalhau. Foram-me trazendo cervejinha fresca para ir ajudando. Tenho que ter cuidado, senão apanho uma carraspana e lá se vai o bacalhau. Este ano nem vou ter com o grupo de costume ao café para bebermos a cervejinha da noite porque não tenho tempo.
Os teus netos apareceram aqui agora e já me fizeram chorar. Sabes que não sou dessas coisas... chorar... mas olha... é assim... estou a ficar velhote... ou será que foi do fumo deste fogareiro?
A assada do bacalhau está pronta, e agora vamos lascar o bacalhau, as batatas já estão meias cozidas, vamos juntar umas rodelas de cebola e algum tempero, muito azeite e vai tudo para o forno. Tenho pena que aqui não estejas para provar.
Como sempre está todo o mundo na cozinha e fazem uma barulheira infernal. Um grupinho aqui, outro ali. Tu sabes como é. A tua Maria vai dando corda e este e também aquele, e anda contente por ter novamente a família junta. O teu genro trouxe o vinho. Nessas coisas ele é bom. Vamos ver se chega.
O jantar está pronto, são nove da noite, as tuas filhas e netas já puseram as mesas na cave, aquela onde nos sentamos sempre todos, e vamos começar a atacar. Vais fazer muita falta, mas iremos todos fazer uma força para que não seja muito doloroso.
O jantar estava delicioso, modéstia á parte, mas sobrou muita coisa. Sabes como sou... para mim nunca chega. Isto não é novidade para ti, foste tu a ensinar-me a ser assim. O vinho chegou. Para não variar, a desgraçada da tua filha que tem o asar de se sentar a meu lado nessa noite bebe sempre um pouco mais. Este ano a Eduarda está simplesmente divinal. Fala pelos cotovelos (já é ela e o vinho a falar), e palpita-me que vai chamar pelo gregório. Não faz mal ela está linda.
As tuas netinhas foram buscar o café e a respectiva garrafa do cheirinho com gelo. Falta saber quem vai levar os carros para casa, mas... depois se verá.
É neste momento que nos fazes mais falta. Lembro-me de te juntares aos teus netinhos com a tua Maria e ali ficarem durante cerca de duas horas a assistir a distribuição das prendas, á excitação da canalha e ao teatro que eles todos os anos nos brindam. Este ano foram os mais novos a fazer o teatro apoiados e organizados pelas netas e netos mais velhos. Estão a ficar profissionais.
Um dos teus filhos vai-se vestir de Pai Natal, este ano é o Fernando que cada vez está mais careca, para começar realmente a festa para os teus netos. Vai começar a saga das prendas... as perguntas normais – para mim não há nenhuma? Os ajudantes do Pai Natal (o teu neto Jorge e o Nuno) lá vão escolhendo as prendas para eles não ficarem excitados. É um tal rasgar os embrulhos. É bom ver a expressão deles quando começam a aparecer as cozinhais que tinham pedido ao Pai Natal. No meio disto tudo, vai-se bebendo mais um copo, e mordiscando mais qualquer coisa para ir amparando o estômago.
Com isto tudo, dou-me conta que são duas da manhã e que tenho que me levantar relativamente cedo para preparar a caldeirada. O teu filho Carlos que normalmente se encarregava da caldeirada não vai estar e por isso lá vou eu novamente. A sorte é que as tuas filhas descascam as batatas, as cenouras, e as cebolas, limpam os pimentos e os tomates. Assim á mais fácil para mim depois.
Bem, doem-me as pernas. Custo-me muito a levantar. Penso que ainda tenho mais álcool no sangue do que quando me deitei. Também dormi pouquito. Foi um semana e pêras num corre corre para que tudo estivesse á altura do dia, mas lá vou eu para começar a preparar a caldeirada. Fica sempre boa. Entretanto lá foram as pernas do cabrito para serem assadas. Vão fazer falta para noite.
Verificamos que o vinho que o teu genro trouxe tinha acabado. São todos uns bebedolas estes teus filhos, e principalmente as noras e os genros, não se admite que ele seja tão sumitico que não traga vinho suficiente. Por isso fomos ver o que tinhas na garrafeira. Eu tinha comprado o espumante tinto para o cabrito, mas como nem toda a gente gosta lá tivemos que assaltar a tua garrafeira.
Depois de devorar o almoço e beber uns copitos fiquei com uma soneira e resolvi ir para casa dormir. A Bety também estava de rastos. Ás sete horas voltei para o lanche ajantarado. Sabes que a esta hora começa a apertar novamente a sede. Vamos beber cerveja agora porque senão ninguém nos levanta amanhã.
Amanhã voltamos todos para comer a roupa velha. Por este andar mais valia ficar aqui o resto da semana.
Custou um pouco passar sem ti... mas olha que cada um fez o melhor que podia para te ter sem que os outros percebessem.
Tenho saudades tuas meu bom amigo.

1 comment:

Labirinto de Emoções said...

Simplesmente AMEI ler esta tua conversa com o teu Pai...
Quando "viajam" fazem tanta falta, mas tambem sabemos que embora invisiveis aos nossos olhos eles estão sempre dentro de nós.
E que belo cozinheiro que tu me saiste!!!
Vou-te descobrindo na leitura...
Beijito