Saturday, November 19, 2005

Sonhos apenas...
Nestes últimos dias tenho tentado separar o corpo do coração e o coração da alma.
Quando penso que poderíamos ser dois corpos e duas almas num só, as lágrimas teimam em surgir. Pela mágoa. Por desconhecer o tempo exacto da vida. Por desespero.
Tenho odiado as palavras. O som oco que elas projectam na alma e o eco profundo que causam no coração. A ressonância que elas provocam no corpo... O som das sílabas a impor-se ao som ritmado do coração; o coração a bombear, incessantemente, sangue e o sangue a percorrer a dor da distancia do teu coração e do teu corpo (que se tornaram, entretanto, independentes e distantes do meu).
As palavras não conseguem exprimir um pedacinho, por mais pequeno que seja, daquilo que sinto...
Ouviste o meu chamamento, ainda há pouco?
Sentis-te a resignação que me invadiu quando o som repetitivo do telefone te chamava sem resposta? Não porque não o atendesses, mas porque eu desliguei antes disso.
Quiseste ter–me a teu lado para me abraçares? Para partilhar agonia, desespero, fúria, dor e tudo o mais que se juntou nos dias que te separam de mim?
E os dias... longos, ásperos, cinzentos e sem emoção! Sem o teu olhar brilhante. Sem o teu sorriso cúmplice, aquele que guardavas só para mim, para partilharmos na intimidade. Na intimidade da alma. Na cumplicidade do coração.
Aquelas que se perderam.... e o tempo que se arrasta... e eu sem ti!...
Onde estávamos nós quando escolhemos caminhos diferentes? Em que ponto da nossa rota nos desviamos? Lá à frente existe alguma encruzilhada?... eu vou contigo...e tu virás sempre, sempre, sempre comigo. Onde eu for, tu estás. O que eu lembrar, tu partilhas. O que eu pensar, tu guias... e eu sei, assim, que vou estar certo, ou pelo menos, menos errado.
...e eu sem ti!... e o tempo a arrastar-se!... longo, monótono e infinitamente triste.
Nunca pensei que estava a fazer uma escolha, ainda que inconsciente, para partilhar uma nova e enorme amizade!
Nunca quis aceitar que a outra cumplicidade espelhava a separação – gradual – do meu sangue e do teu coração; que separava o teu corpo da minha alma; que separava o teu toque do meu olhar; que separava os teus sussurros dos meus espantos; que separava os teus segredos do meu riso; que te separava de mim... perdi–me, quando te comecei a sentir que estava cada vez mais próximo de ti.
Sabes o que dói mais? O que me faz sentir estupidamente impotente? O que me arrasta com o tempo, sem me importar a inércia da alma?
É o eu sentir–te; saber que estás aí perto, mas infinitamente longe de mim. Que partilhas o tempo com os outros e eu não sei o que tu sentes; não sei o móbil do teu pensamento; não sei se o alívio faz de ti um ser diferente e ainda mais distante de mim; não sei o que o teu olhar observa; o que a tua boca exprime; o que o teu corpo emana; não sei se a tua alma – também – sangra...
Eu sei o quão fútil tu achas este pedaço de mim; imagino o sorriso prazenteiro ao leres o que me vai na alma; receio o teu completo alheamento desta minha breve – e longuíssima – realidade.
Os meus músculos esboçam sorrisos; as palavras comunicam trivialidades inconsequentes; mas eu sinto (eu vejo), o meu olhar triste, cansado, demasiado desesperado e faminto de ti.
Depois deito–me e vejo–te em pedaços de papel, que contam a história de um momento que ficou imortalizado pela luz que incidia nos pequeninos halogenetos de prata. E tu estás aqui, a sorrir e eu sinto–me ainda mais triste, mais desesperadamente impotente.
A razão responde. A alma grita. O coração acelera. O corpo esmorece.
O tempo... aquele sinal vago, que conta quando o contamos, que pesa quando nos apercebemos. O elixir do qual precisamos para conhecer o amanhã. O amanhã que eu desespero para conhecer, o amanhã que eu sonho ser.

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