Saturday, November 19, 2005

O momento

Há momentos que são mais belos que outros. Há momentos que ficarão, querendo ou não, gravados para sempre na memória. Deles recordaremos o local, a paisagem e o dia escuro. Dele também recordaremos os momentos que em silêncio aguardamos medindo o espaço de tempo que medeia entre uma onda e outra. Dele recordaremos ainda que o tempo voa e que não controlamos o momento.
Há momentos que, mesmo querendo, não nos recordaremos dos rostos que nos rodeavam, porque não eram importantes. Realmente eles nem estão lá, não existem. O momento não permite que a nossa atenção se prenda com esses pormenores.
Há momentos que mesmo falando estamos em silêncio fascinados por um rosto que lentamente vai descobrindo a criança que fomos e somos. Devagar vamos descobrindo em todos os gestos, a sensibilidade para as coisas, a inteligência, os gostos e a tendências particulares. Percorremos em silêncio, o labirinto do pensamento esperando encontrar a resposta que queremos. É neste labirinto que queremos entrar… uns conseguem-no enquanto outros não. Queremos que o silêncio se encarregue de derrubar a muralha que nos parece intransponível. Queremos porque não temos coragem nem palavras para o fazer.
Há momentos que a linguagem dos olhos é a moldura das coisas que não dizemos. O sinal que não encontramos mesmo falando sem ruído. Nestes não entendemos as meias palavras ditas em silêncio. É um dilema milenário esse comunicar.
Há momentos que o silêncio possui a limitação dos olhos e nos transporta para além do universo. Aqui falta-nos a capacidade de ler os pensamentos como o fazemos num livro aberto. Falta-nos também a força para entrar nele, como num quarto vazio e nele permanecer tornando-o na nossa morada.
Há momentos que mesmo repetidos nunca voltarão a ter o mesmo silêncio. Nunca voltará a haver a mesma cumplicidade dos silêncios. A linguagem dos olhos também não será a mesma. O cenário, mesmo que voltando ao mesmo local, não se repetirá. Tudo tem a ver com a oportunidade e o momento.
Há momentos em que sentimos o silêncio inquieto, em que imaginamos o que nos parece inultrapassável. Parecemos náufragos abandonados num oceano imenso, perdidos nos aspectos decisivos da existência. Queremos trocar as desesperanças por novas esperanças e não temos coragem para gritar os nosso desejos e sentimentos. Temos medo de matar o momento que é belo. Temos medo de quebrar o elo da amizade. Tudo coexiste no seu contrário, alegria e dor, cansaço e repouso, ausência e presença, ser ou não ser, dizer ou não dizer... basta-nos apenas continuar usando as tempestades e as bonanças que vamos encontrando pelo caminho.
Há momentos em que o silêncio se estende a nós, nos faz andar á roda, em delírio, com uma bola no estômago, um nó na garganta, os olhos arregalados. No meio destes silêncios longos mantemos o equilíbrio deixando que o tempo se encarregue de tratar de tudo.
Há momentos em que a ansiedade toma conta de nós, e desgasta o corpo e a consciência. Linguagem das paixões, o silêncio. Para apreciar este silêncio é preciso saborear silenciosamente os actos, tal como fazemos com um espectáculo, uma iguaria, uma bebida, uma pele.
É neste conjunto de silêncios e palavras que vamos cultivando a personalidade e aquilo que ela exprime. É o silêncio do prazer sereno.

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