A nascer o sol.
Deito-me. Não há um consentimento nítido em que a lua desça até ao meu rosto.
No canto onde me abrigo a tarimba é um emaranhado de panos fiados e mantas grosseiras. Uma tentativa vã de ajeitar o fato porque o sono entorna sobre mim os vapores do feitiço.
Ontem quase mergulhei na terra, na sede de me revigorar. Estava a nascer o sol. Não era dia nem noite. Pensei desistir do amor e aquietar-me, dormente, mas uma iluminura estreita foi tomando corpo em mim e apoderou-se. Ali. Um aroma que não identificava atraía os meus sentidos. Lembrei-me que algumas horas antes tinha principiado a contar as estrelas.
Reparei nos olhos redondos, verdes, e tão fixos de um gato que me fitavam, como se fossem uma observação profunda do meu ser. Devolvi-lhe o olhar e envolvemo-nos num fio de energia que me confortou.
A vida espalha-se por todas as fendas, a vida resplandece nos escombros que as ervas vão invadindo.
Nas ruínas escondem-se pedaços da nossa vida. A natureza não está muda. Mas esperemos que, no silêncio das nossas consciências, a mensagem passe.
Experimentei respirar lentamente e a fraqueza que me tomara antes diluiu-se no vapor do instante. Reencontrei-me no emaranhado do fato da minha alcova. Esse meu lugar de ausência fica num sótão dois degraus normais acima da terra.
O pensamento de estar um pouco ao alto aliviou-me este cansaço esta mágoa. Esperaria mais algumas horas para recomeçar a contar as estrelas. Entretanto aquele olhar fixo do gato estaria lá para me observar. Então aí, talvez a lua insistisse em descer ao meu rosto. E eu cedesse.
Saturday, November 19, 2005
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